As luzes nas noites escuras

Março, 18
Queridos Amigos

Permitam-me que desta vez fale a tantos que – desconhecidos – se tornam presentes e fazem-se amigos acompanhando a partilha das minhas vivências em Damasco, e sobretudo em oração. Tenho presente de um modo especial um grupo de CVX (Comunidade de Vida Cristã) em Évora que por estes dias promoverá uma oração no Casarão, pela paz na Síria. Faço-me presente na sua oração por estas linhas.

Agradeço a oração em nome de tantos rostos e nomes com quem me encontro diariamente. Agradeço também em nome daqueles que não conheço, mas que sei que estão ali ao lado, sofrendo e desejando também a paz e lutando para não perderem a esperança.

O título que antecede esta mensagem pode trazer a ilusão de que será um discurso vivo e cheio de esperança. A esperança está presente no meu coração quando escrevo, mas as palavras falam de trevas.
Partilho descobertas sobre o conflito entre luz e trevas. Pelo facto de termos muitas vezes falta de eletricidade por regulação governamental, tenho refletido um pouco sobre a Luz. Cada vez que falta a eletricidade e escolho acender uma vela em vez do led ligado a uma bateria sofisticadamente caseira, não posso deixar de ter presente o prólogo de S. João quando fala da encarnação do verbo: “A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam”.

Olho para a chama na vela e penso como é frágil… parece que um simples sopro pode extinguir o que me ilumina na escuridão. Sinto-me obrigado a proteger essa chama que me ilumina. Paradoxal, não?! Protejo aquilo que me guia e ilumina. Tenho aprendido que não posso dar como garantido que a luz estará sempre acesa, não porque não acredite na força da luz, mas porque tenho vivenciado a energia das trevas.

Também a experiência de ver o céu à noite iluminado por clarões avermelhados das explosões que escuto, mais próximas ou mais distantes, faz-me pensar na inversão dos factos. Há uma paz na noite escura que é rasgada por luzes tenebrosas. Há uma paz que quer serenar os sonos e os sonhos, mas os clarões avermelhados e os sons cruentos não a compreendem e não a acolhem.

Assusta perceber a força das trevas quando estas se apresentam com luminosidade. Assusta perceber o jogo de luzes com que as trevas desafiam a Luz, também na minha história de graça e pecado. Que grande lição as trevas me têm dado. Entendo melhor agora quando o evangelho fala de vigilância. E acredito, não obstante tudo, no poder redentor da frágil chama de uma vela na noite tenebrosa, que me faz desejar a serenidade e paz das noites escuras.

Sei que uma nova alvorada há de chegar, mas enquanto não chega e enquanto os céus à noite são iluminados por clarões de fogos que roubam sonos, sonhos e vidas, amparo-me na chama delicada na noite escura.
Que essa chama ilumine e fortaleça as nossas orações e desejos de paz.

Com amizade,
G.










Comments

  1. Olá Padre
    Quão pequeninos nos sentimos perante esta partilha.
    Mas aqui e ao caso, não importa quão pequenos somos ou sentimos, antes quão grande sois.
    E se as trevas dão lições, também vós as dais Padre porque Deus assim se manifesta, em seres humanos extraordinários que são em si memsos testemunho.
    O testemunho das palavras, das imagens, dos relatos. Tudo isso se manifesta quase incompreensivelmente pois a guerra e a destruição serão sempre incompreensíveis. Ou talvez não. Quiçá sejam a mais sofisticada manifestação do mal.
    Na paz de Lisboa, um abraço amigo de quem dorme sem ruído nem clarões mas que é infinitamente mais pequeno dos que não dormem pelo ruído dos clarões.
    As nossas orações.
    Pedro Guerreiro Cavaco

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  2. Que contraste tão profundo entre a luz que guia e a luz que põe alerta perante uma escuridão tremenda. É impossível conseguir ter a noção e do que é ver, ouvir e sentir este estado desperto constante. Rezo por ti e por todos. Grande abraço

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